domingo, 9 de novembro de 2008

Metabolismo do Colesterol

1- Obtenção do colesterol: dieta e síntese endógena

O colesterol pode ser obtido por síntese endógena (de novo) ou a partir de alimentos ingeridos na dieta. Um adulto saudável produz cerca de 800mg de colesterol por dia, o que corresponde a 70% do colesterol total. O colesterol é principalmente sintetizado no fígado e no intestino delgado. Mas o organismo aproveita também o colesterol proveniente dos alimentos: quando o colesterol chega no intestino delgado, ele é transportado por quilomícrons para o fígado pela via sangüínea e é incorporado às células através de endocitose mediada por receptores em fossas cobertas por clatrina na membrana plasmática. A vesícula assim formada se funde com um endossoma, formando um lisossoma que hidrolizará os constituintes do quilomícron, liberando colesterol que poderá então ser usado pela célula.
O quilomícron é uma lipoproteína de muito baixa densidade (98% de lipídios), que contém um centro hidrofóbico, composto por triglicerídeos e ésteres de colesterol, envolto por moléculas anfipáticas (fosfolipídios, apoproteínas e colesterol) que tornam o quilomícron hidrossolúvel.


A síntese endógena do colesterol ocorre no citossol e no retículo endoplasmático. Todos os carbonos do colesterol são provenientes da acetil-CoA. A via de síntese do colesterol envolve dezenas de reações que se resumen basicamente na formação de compostos com 5 carbonos seguida pela polimerização destes compostos e a sua ciclização. Esta via utiliza NADPH como agente redutor e consome 18 ATP por molécula de colesterol formada: é uma via redutora com grande consumo de energia.



Etapas principais da via:

1- Duas moléculas de acetil-CoA se condensam formando acetoacetil-CoA, que enseguida reage com outra molécula de acetil-CoA produzindo 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA (HMG-CoA). Estas duas reações ocorrem no citossol e são catalisadas pelas enzimas tiolase e HMG-CoA sintase, respectivamente.

2- A HMG-CoA é reduzida por 2 NAPDH originando mevalonato, um composto de 6 carbonos. Esta reação é catalisada pela HMG-CoA redutase, localizada na membrana do retículo endoplasmático, e é a reação limitante da síntese de colesterol. A HMG-CoA redutase é regulada por mecanismos de fosforilação reversível dependente de hormônios (o glucagon fosforila a enzima inativando-a, enquanto que a insulina a desfosforila ativando-a); por efeitos na transcrição (o colesterol inibe a síntese da redutase); e por inibição pelo própio produto mevalonato.

3- A seguir o mevalonato sofre duas fosforilações, à custa de 3 ATP, e uma descarboxilação, originando isopentenil-pirofosfato (5C).


4- Seis moléculas de isopentenil-pirofosfato sofrem reações de transferência e redução por NAPDH, liberando PPi e produzindo finalmente um composto de 30 carbonos, o esqualeno. Todas estas reações são catalisadas por enzimas presentes na membrana do retículo endoplasmático.

5- O esqualeno sofre oxidação e ciclização gerando lanosterol. A etapa final da via envolve vinte reações onde o lanosterol (30C) é finalmente convertido em colesterol (27C), removendo 3 grupos metila, reduzindo a dupla ligação da cadeia lateral e movimentando-a no interior do anel de lanosterol.


2- Importância do colesterol e síntese de seus derivados

O colesterol presente no organismo pode ter vários destinos diferentes: fazer parte de membranas biológicas; ser transportado por lipoproteínas para outros tecidos; ser precursor de ácidos (sais) biliares; formar hormônios esteróides; ser precursor da vitamina D e auxiliar no metabolismo de vitaminas lipossolúveis.

Por ser uma molécula anfipática (possuir uma parte hidrofílica e outra hidrofóbica), o colesterol é um componente estrutural importante de membranas, influenciando a sua fluidez. Quanto mais colesterol presente na membrana, mais rigida ela é. Recentemente, o colesterol tem sido relacionado a processos de sinalização celular. Sabe-se também que ele reduz a permeabilidade da membrana plasmática aos íons de hidrogênio e sódio.
Para ser transportado no sangue, o colesterol é esterificado a uma molécula de ácidos graxos para aumentar a sua hidrofobicidade e depois empacotado por uma lipoproteína.

Ácidos Biliares

Os ácidos biliares são esteróides di- ou triidroxilados, produzidos no fígado a partir de colesterol. Como em pH fisiológico ocorrem na forma desprotonada, são mais corretamente chamados de sais biliares. Eles podem ser divididos em dois gupos: os primários, sintetizados nos hepatócitos, são os ácidos cólico e quenodesoxicólico; os secundários, formados no intestino pela ação da flora intestinal a partir dos primários, são os ácidos desoxicólico e litocólico.
A conversão do colesterol em ácidos biliares ocorre mediante reações agrupadas em três etapas: remoção das duplas ligações do colesterol, isomerização e hidroxilação. Estas reações consomem NADPH, O2, acetil-CoA e ATP.



Etapas da biossíntese dos ácidos biliares:

1- Colesterol ganha um grupo hidroxila, sendo transformado em 7 α-hidroxicolesterol pela ação da 7 α-hidroxilase. Esta é a reação limitante da via. A síntese da 7 α-hidroxilase é estimulada quando a concentração intracelular de sais biliares está baixa ou a de colesterol, alta. Esta enzima é também retroinibida pelos própios sais biliares.

2- O 7 α-hidroxicolesterol pode ser transformado em colil-CoA ou em quenodesoxicolil-CoA. Estas reações ocorrem no retículo endoplasmático, na mitocôndria e no peroxissomo.

3- Colil-CoA origina os ácidos glicocólico e taurocólico, enquanto que o quenodesoxicolil-CoA origina os ácidos quenodesoxicólico, glicoquenodesoxicólico e tauroquenodesoxicólico (ácidos biliares primários). Isto ocorre ligando colil-CoA ou quenodesoxicolil-CoA a glicina ou taurina (um derivado de cisteína).

4- Bactérias da flora intestinal promovem a quebra das ligações com glicina ou taurina, gerando os ácidos biliares secundários desoxicólico (derivado do cólico) e litocólico (derivado do quenodesoxicólico).





A bile contém sais biliares, colesterol, bicarbonato de sódio, bilirrubina, fosfolipídeos, eletrólitos e outras substâncias. Ela é produzida pelo fígado e armazenada na vesícula biliar. Quando gorduras provenientes da alimentação chegam ao intestino delgado, a bile é secretada para o duodeno onde tem um papel fundamental de detergente na digestão de lipídios: pelas propiedades anfipáticas dos sais biliares, ela é responsável pela emulsificação dos lipídios, quebrando-os em pequenos pedaços sobre os quais as lipases podem agir, e pela sua solubilização graças à formação de micelas. Os ácidos biliares são também muito importantes para a absorção e o transporte das vitaminas lipossolúveis.
Uma parte dos sais biliares perde-se nas fezes (principalmente ácido litocólico), mas a maior parte é reabsorvida no íleo e re-excretada no fígado. A este processo chama-se ciclo entero-hepático dos sais biliares.
Como no organismo humano o anel esteróide não pode ser degradado a CO2 e H2O, a única maneira de excretar o colesterol é através da bile (livre ou sob a forma de sais biliares).



Hormônios Esteróides

Colesterol é o precursor das cinco principais classes de hormônios esteróides: progestagênios, androgênios, estrogênios, glucocorticoides e mineralocorticoides. Estes hormônios regulam uma grande variedade de funções no organismo. Progesterona, um progestagênio, está envolvido na gravidez. Androgênios e estrogênios são necessários para o desenvolvimento de características sexuais secundárias masculinas e femininas, respectivamente. Glucocorticóides são essenciais na resposta ao estresse, promovendo gluconeogênese e a degradação de proteínas e lipídios, enquanto que os mineralocorticóides, principalmente aldosterona, aumentam a reabsorção de sódio e a excreção de potássio e hidrogênio nos rins, aumentando a pressão e o volume sangüíneos.
Estes hormônios são sintetizados nas gônadas (estrogênios, androgênios) ou no córtex das glândulas adrenais (gluco- e mineralocorticóides). As pequenas diferenças estruturais entre eles permitem que interajam com receptores específicos, desencadeiando respostas fisiológicas diferentes.

A conversão de colesterol em hormônios esteróides envolve uma série de hidroxilações que ocorrem na membrana do retículo endoplasmático, mais especificamente no citocromo P450. Todas essas hidroxilações consomem NADPH e O2. Um oxigênio proveniente de O2 forma o grupo hidroxila no substrato e o outro forma água.




As enzimas que catalisam este tipo de reação são chamadas de monooxigenases.
O colesterol contém 27 carbonos enquanto que os hormônios esteróides contém somente 21. Assim, a primeira etapa necessária na síntese de hormônios esteróides é a remoção de uma unidade 6C da cadeia lateral do colesterol para formar pregnenolona, a precursora de todos os outros hormônios esteróides.

















Etapas da biossíntese dos hormônios esteróides


1- A cadeia lateral do colesterol é hidroxilada nos carbonos 20 e 22, e a ligação entre esses carbonos é subseqüentemente clivada pela desmolase, originando a pregnenolona.

2- A progesterona é sintetizada a partir da pregnenolona pela oxidação de seu grupo 3- hidroxila e pela isomerização da dupla ligação do 5C ao 4C. O cortisol, principal glucocorticoide, é sintetizado a partir da progesterona por 3 hidroxilações, nos carbonos 11, 17 e 21.

3- A progesterona pode também originar aldosterona mediante 3 hidroxilações e a conversão do grupo metila no carbono 18 em um aldeído. 4- Finalmente, a progesterona pode também dar origem à androgênios e estrogênios que contém 19 carbonos. A síntese dos androgênios começa com uma hidroxilação no carbono 17 da progesterona seguida por uma clivagem da cadeia lateral contendo os carbonos 20 e 21. A redução do grupo cetônico- 17 do composto assim obtido origina a testosterona. Os estrogênios são sintetizados a partir de androgênios pela perda do grupo metila do carbono 19 e a formação de um anel aromático.




Vitamina D
A síntese de vitamina D ocorre na pele na presença de luz solar, e é somente dependente dos raios UVB (raios que também causam câncer de pele). A vitamina D, que tem o colesterol como precursor, exerce uma função importante no controle do metabolismo do cálcio e do fósforo. A sua síntese é influenciada por fatores como a latitude, a estação, a poluição aérea, a área de pele exposta, a pigmentação, a idade, etc. Algumas de suas funções são assegurar o funcionamento correto dos músculos, nervos, coagulação do sangue, crescimento celular e utilização de energia. Tem sido proposto que a vitamina D é também importante para a secreção de insulina e prolactina, resposta imunitária e ao stress, síntese da melanina e para a diferenciação das células da pele e do sangue.
Síntese: O colesterol se converte em 7-desidrocolesterol e é fotolisado pela luz ultravioleta originando previtamina D3, que se isomeriza espontaneamente em vitamina D3 (colecalciferol). O colecalciferol se converte em calcitriol (1,25-diidroxicolecalciferol), o hormônio ativo, por reações de hidroxilação no fígado e nos rins. Embora a vitamina D não seja um esteróide, ela se comporta de maneira análoga a eles, ligando-se a um receptor similar aos receptores dos esteróides e formando um complexo que funciona como um fator de transcrição, regulando a expressão de genes.